Introdução
O presente estudo tem por objetivo dar a conhecer a contribuição sciojurídica da Magistrada Maria Zeneide Bezerra, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, junto às comunidades menos favorecidas das pequenas comarcas do interior deste Estado, através de uma análise de seus trabalhos e projetos socioculturais voltados para essas comunidades, iniciados na década de 1980 e desenvolvidos a partir dessa data até os nossos dias. Ao mesmo tempo, pretende-se ressaltar os impactos desse novo modelo de aproximação do judiciário das comunidades campesinas, inaugurado por essa magistrada como expressão de seu interesse pela melhoria das condições de vida e com o processo de formação da cidadania das pessoas desses lugarejos.
Justifica-se a escolha dessa protagonista como objeto de nosso estudo, não apenas face à relevância de seu trabalho junto às comunidades carentes, mas também por sua ousada coragem em ter desbravado canaviais e feiras livres das comarcas interioranas do Estado do Rio Grande do Norte no intuito de compreender mais de perto as necessidades do povo, aproximando, assim, o Poder Judiciário da população, num tempo em que a figura do Juiz era considerada como “o senhor de todas as verdades” e de dificílimo acesso por parte das camadas populares.
Tais iniciativas ganham ênfase especial quando se considera, de um lado, a origem humilde da magistrada e, do outro, o espaço sociogeográfico em que se desenvolve sua ação: as comarcas interioranas, em que as representações sociais relativas à situação da mulher, numa sociedade culturalmente atrasada e machista, fazem dela um ser socialmente discriminado, e segundo o perfil comum de tais representações, tendo os afazeres domésticos como sua atribuição principal.
Ora, Maria Zeneide Bezerra nasceu em família pobre, de pais semianalfabetos e, portanto, culturalmente desfavorecidos, além de não possuir a pele clara dos burgueses e fidalgos da época; mas isso não a impediu de nesse espaço sociogeográfico desenvolver uma diversidade de experiências e vivências intencionalmente voltadas para a transformação de uma realidade social cujas práticas e valores expressavam, ainda, a herança das elites tradicionais, transformada em instrumento ideológico para marcar a distinção entre a mulher burguesa e a mulher de origens humildes. Quebrando tabus e contrariando hábitos de uma burocracia jurídica historicamente intocável quanto ao espaço de uso de suas práticas, sua ousadia de aproximar o Judiciártio do povo atesta não somente sua atitude de uma reflexão sobre a situação de desinformação, insegurança e desamparo jurídico desses extratos sociais campesinos, mas, sobretudo, procurava intervir neles através de projetos do tipo “educart”, “cafuné”, “justiça na praça”, “justiça e escola”, “o judiciário vai à comunidade”, suscetíveis de orientar essas populações carentes juridicamente desinformadas e lhes assegurar uma melhor qualidade de vida.
Enfrentando tensões e contradições que se estabeleciam entre ela, seu tempo e seu espaço, numa sociedade em que ela própria estava inscrita, mostrou como o ser social que ela era, se articulava com o fato social da mudança que ela ajudou a construir.
São, portanto, iniciativas, ações projetos e mudanças que ajudam a redesenhar a identidade dessa magistrada extraordinária, e ajudam a aproximar os diversos fragmentos de experiências do seu contexto mais amplo, e a descobrir, no específico e particular de cada vivência os dados gerais que tecem o cruzamento de sua trajetória na vida social, política e jurídica dessa magistrada.
Procedimentos metodológicos
O conjunto de dados e informações relativos ao objeto deste estudo representa uma simbiose resultante de elementos de pesquisa de campo e de pesquisa documental. Estabelecer, com o máximo de precisão, o estado da questão estudada, tornou-se para nós o procedimento central desta investigação.
Esta precisão só pôde ser assegurada através do recurso a diferentes ferramentas metodológicas, como um contato direto com pessoas das comunidades que participaram dos projetos e dos programas sociais desenvolvidos pela magistrada, e uma análise documental de dados históricos junto aos acervos disponíveis incluindo, nesta categoria, o acervo fotográfico inerente aos diversos projetos sociais de Maria Zeneide Bezerra.
Assim, foram entrevistados: uma Assistente Social do Fórum da Comarca de Ceará Mirim/RN, alguns colegas contemporâneos da magistrada que, com ela, participaram das atividades do Projeto Rondon e, portanto, antes dela ser integrante do Poder Judiciário; também foram entrevistadas algumas figuras de destaque que presenciaram períodos de luta e a concretização das principais de suas ações (anexos escritos e em CD).
Quanto à pesquisa documental, foram consultados dados históricos dos acervos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, e do Fórum da Comarca de Ceará-Mirim/RN, assim como acervos fotográficos.
Dessa forma, foi possível obter resultados interessantes de fontes fidedignas, esclarecedores da contribuição sociojurídica dessa magistrada. Assegurou-se a fidedignidade das fontes através da escolha de entrevistados que, como testemunhos vivos, participaram diretamente de suas experiências e vivências, e o confronto de seus relatos, registrados em mídia gravada ou em testemunhos da imprensa, nos permitiu o indispensável controle dos depoimentos obtidos, cuja credibilidade também é completada no espaço e no tempo com o material fotográfico coletado.
Isto posto, foi-nos possível subdividir o presente estudo em dois momentos:
• no primeiro, enfoca-se o perfil pessoal e profissional da magistrada, com alguns recortes mais significativos de sua história de vida;
• No segundo são apresentados e analisados os principais projetos sociais da magistrada, desde sua implantação e desenvolvimento, seguidos de alguns impactos sociais que eles desencadearam junto às comunidades por eles beneficiadas.
Recortes da história de vida da autoridade comentada
Maria Zeneide Bezerra nasceu na cidade de Parnamirim, limítrofe à capital do Rio Grande do Norte. É filha de Joaquim Nilo da Silva e de Estefânia Ferreira da Silva, ambos pobres e semianalfabetos, oriundos de lugarejos do interior do Estado do RN, Monte Alegre e Saué, respectivamente.
Seu pai exercia a atividade ocupacional de carpinteiro na Base Aérea, enquanto que sua mãe se dedicava às atividades do lar. Foi preciso enfrentar muitas dificuldades financeiras e uma dedicação a toda a prova para prover ao sustento, criação e educação de seus sete filhos.
Em criança, Maria Zeneide Bezerra passou boa parte de sua vida na Base Aérea de Natal, localizada na cidade de Parnamirim/RN, no auge da Segunda Guerra Mundial, enfrentando as adversidades e mudanças nesse pequeno lugarejo, palco de grande movimentação de tropas brasileiras e americanas. É que, durante a Segunda Guerra Mundial as forças aliadas viram-se obrigadas a buscarem local de onde pudessem se comunicar com as tropas que lutavam no norte da África, e o local escolhido foi a cidade de Natal, em virtude de sua singular posição em que o Estado do RN se encontra no território nacional, representando a maior projeção do país no oceano atlântico, e o ponto onde a América do Sul mais se aproxima da África.
A magistrada teve, pois, como canções de ninar o ronco dos aviões B-25 e B-26, que cortavam incessantemente os céus de sua pequena cidade natal. Logo na sua infância vivenciou, portanto, as transformações que a guerra introduziu nas pessoas, costumes, moda, alimentação, linguajar, e novas formas de pensar. Foi testemunha do vai-vém dos aviões pilotados pelos ‘galegos americanos’, que encantavam as moças brasileiras, dando vida a inesquecíveis enredos românticos a cada partida dos soldados americanos gerando ondas de saudades ao término das festas de despedida promovidas na Base Aérea e abertas ao público: for all – festa para todos! E pela aproximação fonética do famoso “for all” com a palavra forró, for all passou a ser chamado simplesmente forró-tipo de dança nordestina.
Foi sob esse clima que a magistrada enfrentou sua iniciação nas primeiras letras, na “Escola de Dona Maria de João Branco”, onde foi alfabetizada cursando, posteriormente, os Colégios Santo Expedito e Presidente Roosevelt, naquela cidade de Parnamirim. Como seu grande sonho era estudar na Capital, dedicou-se ao estudo adquirindo projeção quando aprovada em concurso para crianças pobres, onde, como prêmio, ganhou do Governador do Estado do Rio Grande do Norte, Monsenhor Walfredo Gurgel, uma bolsa de estudos para cursar o ensino médio no Colégio de religiosas Nossa Senhora das Neves, em Natal.
O prêmio da bolsa de estudos trouxe, contudo, dois impasses: a questão do transporte e da moradia. O primeiro deles foi solucionado quando o Comando da Base Aérea disponibilizou o “papa-fila”, ônibus que transportava crianças carentes entre Parnamirim/Natal/Parnamirim, e o impasse da moradia, posteriormente, foi superado por influência de pessoas amigas que acolheram a jovem Maria Zeneide Bezerra em suas residências, o que lhe permitiu cursar e concluir o segundo grau no tradicional Colégio Estadual Atheneu.
Inclinada, desde menina, para as questões que envolvem mais diretamente os seres humanos em suas relações com o outro e com o meio, no ano de 1969 ingressou no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Como explicar a aspiração, transformada posteriormente em realidade, dessa jovem seguir a carreira jurídica, onde o futuro lhe reservaria tornar-se uma das Juízas mais criativas, dinâmicas e inovadoras de seu Estado? Afinal, em sua humilde família, não havia qualquer pessoa ligada a esta, nem a qualquer outra ciência. Mas seu pai, apesar de mal saber assinar o seu nome e pouco conhecedor das letras, era um homem dotado de sabedoria popular, e em sua visão abrangente dos fatos desde cedo percebeu o interesse de sua filha pela leitura e pelos estudos, e através de livros e revistas que ele tomava de empréstimo do delegado da pequena cidade, a jovem Maria Zeneide começou a desenvolver suas habilidades intelectuais e a tomar consciência da realidade. Se, nesta vida, nada acontece por acaso, isso talvez tenha servido de influência longínqua para direcioná-la para a magistratura.
Seu prosseguimento no curso chegou a estar seriamente ameaçado face às dificuldades financeiras enfrentadas pela família, que não podia arcar com as despesas de dois de seus filhos cursando estudos de nível superior, e a magistrada tornou-se eternamente grata a seu irmão Ozório Ferreira da Silva, que sacrificou seus estudos indo trabalhar para que sua irmã pudesse concluir o seu curso de Direito.
Sensibilizada simultaneamente com o empenho e total dedicação como enfrentava os estudos, e com a precária condição econômica da jovem estudante, uma de suas professoras na Faculdade, a Drª Eliana Calmon, atual Ministra da Corte Superior de Justiça do Brasil, pôs à sua disposição o acervo bibliográfico de sua biblioteca, o que lhe permitiu adquirir, desta forma, vasto conhecimento jurídico.
Assim, em 1973, Maria Zeneide Bezerra graduou-se no Curso Superior em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Logo em seguida, em Curso de Especialização oferecido pela mesma Universidade, tornou-se Especialista em Direito do Trabalho, com monografia apresentada e defendida sobre o tema: Alterações nas condições de trabalho.
Após ter sido submetida aos exames da Ordem dos Advogados do Brasil e ser aprovada, iniciou, profissionalmente, sua militância na sociedade, primeiro exercendo a advocacia em associação com a Drª Neide Cirne, em seguida no Conselho Penitenciário do Estado onde, ao lado do civilista Francisco das Chagas Rocha aprofundou, ainda mais, seus conhecimentos jurídicos.
No ano de 1979 a magistrada contraiu matrimônio com o advogado Heriberto Escolástico Bezerra, que não somente a apoiou em seu aprimoramento nas ciências jurídicas, como a incentivou, de todas as formas, a concretizar o sonho de ser Juíza.
Logo após sua aprovação no concurso para a magistratura em 1980, tomou posse na Comarca de Touros/RN, onde se iniciou, como Juíza, na realização de seu primeiro casamento, da sua primeira audiência, do primeiro despacho, e deu início, definitivamente, à sua brilhante carreira de atividades sociojurídicas, revelando a sua visão futurista no sentido de antecipar a aproximação do Poder Judiciário com o povo, em seu anseio de fortalecer as garantias e os direitos fundamentais do cidadão.
A magistrada ainda assumiu, ao longo do tempo, as Comarcas de São Gonçalo do Amarante, Tangará e Ceará-Mirim, até se alçar à mais alta Corte de Justiça do Estado do RN.
Assim, devidamente concursada, passou a assumir plenamente seus compromissos sociais, e a exercer suas atividades jurídicas junto à Câmara Criminal coordenando o Núcleo de Programas e Projetos Socioambientais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, onde, atualmente, a magistrada Desembargadora.
Entre os vários projetos a que estão diretamente vinculadas suas atividades jurídicas, passaremos a analisar, em seguida, alguns dos principais de seus projetos sociais.
Uma análise dos principais projetos sócio-culturais da magistrada
Nas diferentes comarcas onde a Juíza atuou, sua principal preocupação era interagir e estreitar a comunicação com o povo da terra. Por isso, freqüentava as feiras populares, indo ao encontro dos moradores ao longo dos canaviais espalhados pela região onde a lavoura açucareira, desenvolvida ainda dentro de uma estrutura tradicional, concentrava boa parte de uma população morando no campo e impotente para mudar o rumo das coisas.
Numa luta constante pela causa do bem comum dessa população, cujas necessidades, aviltamento, dependência e opressão conhecia de perto, e cujas raízes, fincadas nos privilégios e na exploração da burguesia açucareira que ainda trazia os resquícios da escravidão, imposta, ao longo dos anos, pelos barões, baronesas e sinhazinhas, a juíza revitalizava sua esperança através de iniciativas suscetíveis de responder aos anseios de justiça e igualdade.
Foi atuando sob tais circunstâncias, emolduradas pelo embate entre as forças de um Rio Grande do Norte arcaico e da ânsia de operar mudanças profundas em favor dos direitos de todas as pessoas, que o caráter dessa magistrada adquiriu seu maior relevo e substância.
Daí a origem dos projetos sociais que a Juíza Maria Zeneide Bezerra criou e desenvolveu, num esforço significativo de aglutinação de forças para a construção de um país e de uma sociedade politicamente mais democrática, economicamente mais justa, social e equitativamente mais solidária, culturalmente mais participativa, ambientalmente mais sustentável, num exercício de cidadania onde o direito de todos fosse respeitado.
Os projetos da magistrada constituem a essência das ações desenvolvidas pelo Núcleo de Programas e Projetos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, e que inspiraram o atual movimento de levar o Judiciário até a população como uma política nacional a ser efetivada em todas as comarcas do país.
Dentre os principais projetos que foram desencadeados através da iniciativa dessa magistrada, tornaram-se socialmente conhecidos, no âmbito jurídico do Estado, os projetos Educart, Cafuné, O Judiciário vai à Comunidade. No âmbito do presente estudo, deu-se particularmente ênfase à análise de três dos seus originais projetos, ressaltando que, dado o poder de criatividade a Juíza tornou-se a pessoa mais habilitada para coordenar os projetos desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça do RN, como, Justiça na Praça, Justiça e Escola e o Desenvolver, o que faz, com brilhante desempenho.
Projeto EDUCART.
O Projeto EDUCART teve como finalidade principal assistir as crianças em situações de riscos, com tendência a fácil envolvimento com drogas, através de atividades lúdicas, esportivas e educacionais, com enfoque nas aulas de reforço, na dança de capoeira, nas oficinas de teatro e palestras educativas com os familiares.
O trabalho desenvolvido contou com a participação especial da professora Maria Suerda da Silva encarregada do reforço escolar, que ora dá o seu testemunho (anexo em vídeo).
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Projeto CAFUNÉ – Criança e Adolescente Futuro Núcleo de Esperança”.
O termo “CAFUNÉ”, em sua concepção popular, é empregado como um carinho feito com as mãos, na cabeça das crianças, levando-as a cochilar. Fato inspirador para a Juíza criar o nome do projeto com a sigla “CAFUNÉ-Criança e Adolescente Futuro Núcleo de Esperança.”
Na verdade, o projeto visa a prevenção das Crianças e dos Adolescentes da Comarca de Ceará-Mirim/RN contra droga, violência, exploração sexual e atos infracionais.
Devido a problemática existente no Município de Ceará-Mirim/RN envolvendo crianças e adolescentes e suas famílias, como: drogadicção, violência – com destaque para exploração sexual e atos infracionais que sobrecarregavam o fórum da Comarca, o que repercutia no acúmulo de processos e crescimento do problema, foi então que surgiu o projeto CAFUNÉ sendo divido em três etapas: 1. Formação dos multiplicadores (palestras e oficinas); 2. Execução de palestras nas escolas e núcleos comunitários (sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, drogas, violência, espiritualidade e a importância do suporte familiar na vida do cidadão) e, 3. Encaminhamento dos casos detectados para a instituição competente.
O projeto vem apresentando estratégias de enfrentamento das problemáticas existentes, através de atividades desenvolvidas pelos multiplicadores.
Dessa forma, o projeto vem somando forças na busca da construção de uma postura propícia à formação de verdadeiros e íntegros cidadãos capazes de conviver harmoniosamente em sociedade e sonharem com um futuro ético e promissor.
O projeto se desenvolveu através de palestras, oficinas, gincanas, apresentações culturais, atividades esportivas, reuniões, atendimentos psicossociais, cursos profissionalizantes, rondas e blitz educativas.
De acordo com a documentação consultada, os impactos resultantes do desenvolvimento desse projeto são extraordinários em termos de benefícios e mudanças significativas nas comunidades atingidas. Nos últimos três anos o CAFUNÉ envolveu cinqüenta e oito (58) instituições, atendendo a 19.075 (dezenove mil e setenta e cinco) crianças e adolescentes, assistindo psico-socialmente 54 (cinquenta e quatro) famílias, crianças e adolescentes, realizando 40 (quarenta) oficinas de capacitação formando mais de mil profissionais e, ainda 28 (vinte e oito) reuniões. De grande destaque, foi a atividade cultural denominada CAFUNÉ-FOLIA, na qual envolveu 50 (cinqüenta) instituições parceiras contando com a presença em torno de 15.000 (quinze mil) pessoas.
Por fim, o projeto levou informações e orientações socioeducativas à 100% (cem por cento) da rede municipal urbana de proteção à criança e ao adolescente, fortalecendo vínculos familiares e comunitários; capacitou, ainda, 8% (oito por cento) dos adolescentes e familiares para inserção no mercado de trabalho, fatos que reduziram a incidência de processos na vara cível da Comarca de Ceará-Mirim/RN.
Por último, destacamos, o decréscimo de 19%, no índice de crianças e adolescentes que sofrem algum tipo de violência; 40% dos adolescentes infratores usuários de drogas lícitas e/ou ilícitas, acompanhados pelo setor social, foram encaminhados para o necessário tratamento de desintoxicação; proporcionou 79% aos diferentes segmentos da sociedade o conhecimento do conteúdo proposto no Estatuto de Criança e Adolescente.
Projeto “O JUDICIÁRIO VAI À COMUNIDADE”
O referido projeto tem o escopo de aproximar o Poder Judiciário – Comarca de Ceará–Mirim/RN da comunidade dos municípios que a compreendem, desenvolvendo atividades que minimizem a distância entre o povo e a Justiça, levando a transparência e desmitificando o “medo” do juiz.
Este projeto ainda teve como finalidade levar o Cartório de Ofício de Notas às comunidades possibilitando casamentos, registro civil das pessoas naturais, tornando-as iguais perante a lei, pela sua existência jurídica.
Através de ações sócio-educativas que levam aos cidadãos esclarecimentos, orientações e informações objetivando proporcionar ao Poder Judiciário a interação com os diversos segmentos da sociedade e, consequentemente, um maior conhecimento da realidade local, o projeto abre espaço à população para participar, sugerir e expor suas demandas diante dos serviços oferecidos pelo sistema judiciário, promovendo processo educativo e possibilitando ao cidadão o conhecimento básico dos seus direitos e deveres, desmistificando, ainda, a questão da morosidade e impunidade.
Vários setores da comunidade foram beneficiados com os serviços prestados, atingindo na sua integralidade a rede educacional pública, o sindicato dos trabalhadores locais, centro de alcoólicos anônimos, centros comunitários de bairros.
Por fim, o projeto A JUSTIÇA VAI À COMUNIDADE possibilita que os Juízes desloquem-se de seus gabinetes e prestem assistências aos jurisdicionados em suas comunidades, descentralizando os atendimentos jurídicos e audiências.
Considerações finais: novos olhares e perspectivas de ação
Dando continuidade à sua inclinação social de integrar o Poder Judiciário cada vez mais com o povo, no atual exercício da magistratura a Desembargadora Zeneide Bezerra coordena o Núcleo de Programas e Projetos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, onde são desenvolvidos novos projetos sociais, destacando-se, entre outros, o projeto “JUSTIÇA NA PRAÇA”, ação global de cidadania de iniciativa do Poder Judiciário em parceria com o Estado, Municípios e Instituições Públicas e Privadas, sendo disponibilizados em praça pública, serviços jurídicos gratuitos, como: Audiências de Conciliação, Assistência de Advogado, Consultas Processuais, Assistências aos usuários de drogas e entorpecentes, Registros de Ocorrências, emissão de documentos de Identidade Civil, Cadastro de Pessoa Física do Ministério da Fazenda, Cadastramento de Doadores de Medula Óssea, Alistamento Militar, vacinas, verificação de pressão e muitos outros.
Mas alguns desses projetos vão muito além das questões costumeiramente da alçada do judiciário: são expressão de sua profunda consciência cidadão, e voltados para as profundas transformações sociais que só o exercício consciente e pleno de cidadania pode oportunizar, através da educação crítica e consciente das pessoas. É o caso do Projeto Justiça e escola, que congrega um mutirão de pessoas preocupadas em transformar a educação num exercício de vivência ética e de corresponsabilidades sociais assumidas em torno da construção de uma cultura de paz em nossas unidades escolares. Em meio de iniciativas de levar às escolas municipais informações sobre o Poder Judiciário como um todo, em seus diversos setores e instâncias, adotou a ética do ser humano, inscrita no slogan “Um olhar, um pensar, um educar: queremos juntos aprender a amar”. Formação e vivência ética, base das atitudes comportamentais do ser humano, a magistrada adotou uma metodologia do “Caráter conta”, cujos pilares “respeito, responsabilidade, cidadania, zelo, senso de justiça, sinceridade”, traduzem o exercício de uma cidadania marcada pela busca da qualidade de vida e pela convivência solidária.
Durante a realização da presente pesquisa, identificamos em Maria Zeneide Bezerra uma mulher de coração humilde, trabalhadora, feliz e interessada em sempre ajudar cada vez mais as pessoas necessitadas, independentemente do posto ou posição social que ocupem, no reconhecimento da dignidade humana e dos direitos inerentes a qualquer pessoa da comunidade, sem distinção de qualquer natureza, seja raça, cor, sexo, crença, posição econômica, ou qualquer outra condição.
Convém enfatizar que os registros documentais existentes no TJRN, na Comarca de Ceará Mirim e no acervo particular da Juíza Zeneide Bezerra, aliados aos depoimentos dos sujeitos entrevistados para fins deste estudo: colegas, professores, servidores do Tribunal e do Fórum, assistente social dos projetos, bem como dos moradores da comarca de Ceará Mirim, são unânimes em afirmar que os jurisdicionados, antes da chegada da Juíza Maria Zeneide Bezerra àquela comarca, sequer haviam conversado com um juiz, vez que, para eles o juiz somente era conhecido por ocasião de um contencioso ficando muito distante da realidade social do cotidiano daquele povo.
A partir da implantação do projeto “Judiciário vai à comunidade” que levou ao cidadão o conhecimento dos seus direitos e deveres fortalecendo o exercício da cidadania, esta distância foi diminuída, estreitando-se o relacionamento dos moradores daquela comarca com o Judiciário, o que, contribuiu para a formação sociocultural das comunidades.
É extraordinário constatar que a Juíza Zeneide alcançou, ainda naquela época, os objetivos buscados hoje pelo Poder Judiciário, isto é, aproximar-se do povo. Inúmeros foram os esforços despendidos pela magistrada tendo logrado êxito por ser uma exímia propulsora de eventos culturais e artísticos, possuindo uma forma peculiar de envolver as famílias e, em especial, as crianças e adolescentes daqueles lugarejos canavieiros. Dentre os meios empregados podem ser destacados organização de grupos teatrais formados por adolescentes carentes, ressaltando as inúmeras apresentações desses grupos no próprio prédio do Fórum, gincanas escolares, audições de música, dança, capoeira, campanhas de reforço escolar, além de promover a inclusão social de muitos moradores da comunidade rural que sequer existiam no mundo jurídico, através da emissão de documentos como: o registro de nascimento, carteira de identidades, casamentos, carteiras de trabalho, campanhas de alfabetização, exames médicos preventivos, profilaxia bucal, vacinas etc..
Diante das desigualdades sociais que ainda estão presentes em nossas comunidades, diante das injustiças e de índices de violência cada vez mais assustadores, diante de situações de trabalho que continua desvalorizado, de uma educação e saúde que estão longe de representar direitos universais, os projetos da magistrada Maria Zeneide podem parecer uma política de sonhos. Mas num país como o Brasil, numa região como o nordeste, num estado como o Rio Grande do Norte essa política de sonhos pode reverter essa tendência estrutural que reproduz a desigualdade. Pode ser revertida através de ações e projetos como os desenvolvidos por essa magistrada, cujas experiências precisam ganhar amplitude junto a outras, e outras, e outras comarcas, até se constituírem práticas permanentes de aproximação do judiciário com o povo.
No desenvolvimento do seu papel de coordenadora e articuladora de ações voltadas para a inclusão social, a magistrada enfrentou todas as dificuldades, transpondo as barreiras que se levantavam à época, desde a sua origem humilde e o fato de ser do sexo feminino: enfrentado tabus, desafiando preconceito, obstáculos, e até privilégios que secularmente eram considerados atribuição do sexo masculino, como o exercício da magistratura. Os projetos dessa magistrada, em sua inovação, em sua repercussão no meio comunitário, são uma construção de alternativas e de propostas que, sendo respostas adequadas e necessárias de seu tempo, se configuram como as inovações e espaços abertos que desafiam o amanhã do judiciário brasileiro.
Por seus feitos e realizações junto às comunidades carentes e marginalizadas das comarcas que presidiu, pelas novas condições de vida trazidas aos seus juridiscionados, pela sua corajosa luta em prol do desenvolvimento de cada pessoa da comunidade, e, sobretudo, pela inegável e significativa contribuição da abertura do Poder Judiciário às camadas populares, é impossível não reconhecer o valor e o brilhantismo dessa extraordinária mulher nordestina, cujo olhar do presente já era a expressão da transformação e construção do futuro.